Dolce Far Niente

Ontem foi o aniversário de um amigo. Um jantar numa tasca amorosa de ambiente acolhedor. A conversa, leve e fresca, alongou-se até se prender, momentaneamente, no bico de obra que é a educação dos filhos (que não tenho). Cientes das teorias que fomentam regras, hábitos e cuidados higiénicos exacerbados, nós, fazendo uso da confiança do instante, demos brado à nossa convicção de que não, não são as regras que os tornam mais bem-sucedidos e, mais importante, mais felizes.

Discordarão muitos pois, afinal, o que é a felicidade? Quanto dura ou pode durar? É o prazer importante na sua prossecução? O que sabemos nós do que faz feliz o outro?

«(…) We can have competing pleasures (as a child my pleasure in pleasing my parents and my teachers can outstrip my pleasure in schoolwork, so I sacrifice my genuine interests for the love and approval of the grown-ups). Some pleasures don’t make us happy, and some pain do.»

Trabalho com gaiatos desde que deixei de ser gaiata e o que mais me aflige são as preocupações de adulto que os pirralhos, há falta das preocupações de pirralho, têm. Que preocupações têm eles?

Têm de ser amigos de todos (mas nós não somos amigos de todos). Têm de gostar de qualquer coisa que lhes é dada porque é dada (nós dizemos que gostamos e trocamos) ou, no mínimo, mostrar-se satisfeitos. Têm de ser bons no desporto que os amigos jogam, bons no desporto que os pais gostam, bons no desporto que o médico aconselha, bons na escola, bons nas lides domésticas, em suma — bons. Têm de ser os melhores (se para a gente grande essa já é uma pretensão com a força de nos deteriorar a saúde mental, para a gente miúda será o quê?).

A verdade é que no fim…

«Everybody is dealing with how much of their own aliveness they can bear and how much they need to anesthetize themselves.»

Desenganem-se, o sistema escolar tem culpa. Porém, e nós? Nós, como elementos da família, nós como criadores de propaganda, nós e as nossas pretensões? Nós que nos esquecemos do peso que a inteligência emocional tem no sucesso?

Nós que queremos ser adorados em casa, idolatrados no trabalho, sem saber amar? Sem saber dar tempo e deixar o outro construir o seu próprio tijolo, o seu próprio cimento, as suas próprias paredes e a sua própria casa?

Onde está o dolce far niente? O saudável dolce far niente?

Partimos da educação para a cultura de excesso e para Adam Phillips e a sua dissecação do étimo equilíbrio. É o desequilíbrio algo a evitar? Não, não e não.

Cair, sujar-se, magoar-se é algo que se quer que aconteça à criança. Tal como esta aprender a ouvir não e a dizer não — no mesmo nível de importância. O seu grito e choro deve ser encarado como uma benção. É ela a exprimir-se da maneira que melhor sabe. É a sua admissão de tristeza, frustração e/ou raiva. Não é por ela ignorar que sente que não sente. E, mesmo sendo para nós difícil gerir a emoção que espoleta o seu estado de desequilíbrio, é bom lembrar que nós temos uma biblioteca de emoções maior e a prática da sua gestão bem mais refinada que um ser de palmo e meio.

Em On Balance, Adam Phillips, psicoterapeuta inglês, pega no seu conhecimento adquirido na clínica e, não desprezando o uso da crítica, explora a base das nossas concepções de como a vida deveria ser vivida, apontando para o efeito de nas vidas que vivemos tanto em família como fora desta. O ser equilibrado é importante na aprendizagem e evolução ou é a dicotomia (leia-se limbo) equilíbrio/desequilíbrio? Somos o que sonhamos ou o que aparentamos ou o que fazemos?

«We are always haunted by the myth of our potential, of what we might have it in ourselves to be or do…»

Quer um destes só para si? Vá a On Balance — WOOK.

7 Comentários Add yours

  1. patgfaria diz:

    Que leitura tão boa <3! Texto fantástico, como sempre. Um grande beijinho!

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    1. sofiafsantos diz:

      Obrigada, meu doce ❤ Beijoca!

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  2. Excelente análise! Espero que um dia tenha filhos, pois certamente seria uma educadora atenta e a mãe que um filho precisa!

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    1. sofiafsantos diz:

      Bom dia, Dulce. Também espero um dia ter, e espero que tenha razão 🙂 Deve ser dos trabalhos mais exigentes e admiro muito quem o pratica em pleno, sejam pais, tios, avós ou outros. Muito obrigada pelas suas palavras 🙂

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    2. sofiafsantos diz:

      Ah, e espero que leia o livro. Aconselho entusiasticamente. Ajuda-nos a ter uma perspectiva inteligente sobre nós mesmos e o outro. Temo, apenas, que não haja nenhuma edição traduzida…

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  3. Sou pai e professor. Gostei muito de sua análise, ela vem ao encontro de algo que venho discutindo com meus alunos e amigos. Parabéns!

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    1. sofiafsantos diz:

      Obrigada pelas palavras 🙂

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